segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Barão dos Caetés: defensor apaixonado pelo povo de Olinda



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"Sou semeador das artes, da cultura e da história da minha Olinda"
Foto: Andréa Almeida/NE10
Andréa Almeida Do NE10
Elegante e esbanjando nobreza, ele desfila a sua graça quando a noite cai sob o céu de Olinda. É daqueles que, de uma aparência peculiar, atrai olhares curiosos por onde passa. Crítico, deixa no ar frases desconcertantes, espirituosas, carregadas por fragmentos de contextos sociais inquietos. É compositor, cantor, poeta, roteirista de cinema, ator, artista plástico (diz apenas "melar tela")... Uma fusão cultural sem rótulos; a missão torna-se difícil a quem ousa sintetizá-lo.
Seu traje é a rigor. Usa um sobretudo preto, repleto de medalhões, calça e camisa preta, suspensório, chapéu, bengala, luvas de lã, óculos de grau e um crucifixo pendurado no pescoço ou na roupa. O lado "sério" se mostra no mercado financeiro, quando ele cai na estrada Brasil afora trabalhando pela Bolsa de Valores de São Paulo. Diríamos que essa realidade define o descendente português Carlos Castro, 64 anos, mas o multiartista pode ser chamado, simplesmente, de Barão dos Caetés.

O personagem surgiu na década de 90, quando ele se auto-intitulou.
"Eu já me vestia de preto no Carnaval. Um dia cheguei na casa de Alceu Valença e ele me indagou 'É rabino ou barão?' aí eu respondi 'Barão!' e até hoje ficou", lembra o Barão, acrescentando que possui laços estreitos com o cantor. "Ele é meu amigo e cumpadre".
Considerado uma das figuras de maior destaque da folia olindense, em 2009 surgiu o "Bloco do Barão", que tem concentração em frente à casa dele na Rua da Boa Hora, Varadouro, na tarde da terça-feira de Carnaval. No lugar de um boneco gigante aparece o Barão, no alto, enchendo o copo dos seguidores de uísque. Ao definir a ideologia do personagem, seu principal argumento é a defesa dos Índios Caetés, das terras, dos pobres, dos pretos e do povo de Olinda - também conhecida como A Marim dos Caetés.

Curioso, o rei Pelé quis logo conhecer o Barão dos Caetés
Foto: Arquivo pessoal

"Se chegar aqui e perguntar quem é o Barão, todo mundo vai saber responder", diz o próprio, se portando como um verdadeiro "lorde". O último que fez questão de conhecê-lo foi nada menos do que o rei do futebol, Pelé, durante a gravação de um comercial na cidade. "Pelé me perguntou 'Então quer dizer que você é o Barão?' e eu respondi 'Voce é o rei do futebol no mundo, mas em Olinda eu sou o Barão' e aí ele caiu na risada", conta orgulhoso.

Típico boêmio, tem 12 filhos e 15 netos de cinco casamentos, porém já está no sétimo. Antônio Luz, 41 anos; Joseph Carlos De Castro, 35; Herykha Áurea Única de Castro, 32; Carla Sabino Gandhi Frei Caneca de Castro, 30; Marília Carla Luz de Castro, 26; Thiago de Castro, 28; Victor Che Guevara Lins de Souza Castro, 22; Lennon Halley Lins de Souza Castro, 25; Nayla Divina Amazônia de Castro, 12; Áurea Rei de Castro, 12; Jesus de Nazaré, 10; Uecla Açnelav, 13; esse último é afilhado de Alceu Valença, e tem o nome do padrinho escrito ao contrário. Quando questionado sobre a origem dos nomes, ele responde que "não gosta do comum e que a ideia foi despertar um diferencial".

O Barão lembra que foi fuzileiro naval da Marinha, no Rio de Janeiro, onde ficou de 1964 a 1969, quando foi preso por 96 dias no Presídio Militar da Ilha das Cobras por ser "revolucionário". Posteriormente saiu do órgão mas continuou no Rio, participando de movimentos estudantis. Hoje, ele matém um posicionamento político bem diferente. "Cheguei à conclusão de que o movimento revolucionário é balela! Passamos 13 anos com a direita no poder e, quando a esquerda consegue ingressar, faz a mesma coisa, corrupção atrás de corrupção. Sempre me tive como um homem de esquerda, mas estou desacreditado", indigna-se, dizendo que agora é atuante político pelo Partido Social Cristão (PSC).

Confira um pouco da performance do Barão dos Caetés:

"A cultura corre na minha veia". Com mais de 500 composições musicais, o Barão já recebeu propostas de diversos artistas, mas nunca vendeu nenhuma letra. Ele diz que possui projetos pessoais, mas ainda não teve tempo de executá-los. "Meu sonho é que Roberto Carlos grave uma música minha, porém eu já mandei quatro, falei com ele, e até agora nada, então prefiro guardá-las pra mim", revela e complementa que está se programando para lançar o primeiro CD e DVD em 2012, que se chamará "O Barão: a nova invenção da música". Suas influências musicais giram em torno dos Beatles, Janis Joplin, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Orlando Dias, Nelson Gonçalves, Caetano Veloso, Tom Zé, Chico Science, Alceu Valença, entre outros incontáveis.
PORTO DO ALCEU - Sempre envolvido no meio artístico, foi dono de um bar referencial do movimento underground de 1994 a 1997, o Porto do Alceu, que ficava na ala histórica de Olinda - além do Caldão do Derby e da Bodeguita Sino de Ouro. Esteve próximo a uma perda lastimável para Pernambuco, Chico Sciense. "Chico ficou lá no Porto [do Alceu] até às 3h naquele dia [2 de fevereiro de 97]. Depois ele foi em Boa Viagem provar uma roupa pro Carnaval, e quando estava voltando pra casa, em Rio Doce, perdeu o controle do carro ali no Complexo de Salgadinho", lamenta com a mesma tristeza de 14 anos atrás. No ano seguite da tragédia, 1998, o Barão fez o aniversário oficial de 1 ano da morte do cantor, que teve a presença em peso de nomes consagrados. "Carlinhos Brown e Gilberto Gil não puderam ir, mas mandaram um telegrama. Já Reginaldo Rossi, a turma do Matalanamão, Canibal, Zé Brown, enfim, muita gente foi. As bandas começaram às 18h de um dia e às 8h do outro a festa não tinha acabado", lembra.
MULTIARTISTA - No cinema, ele tem alguns roteiros como "A Saga do barão e os Índios Caetés", que seria o barão comandando a tribo indígena numa mistura de ficcção científica com realidade, e "Urubus de lixão", definido por ele como um filme sarcófago. Com um pezinho no teatro, ele pensa em fazer a peça "Por trás somos todos iguais". O espetáculo seria encenado por quatro mulheres e três homens, todos nus, virados de costas. "É um protesto social sobre a desigualdade social. Somos todos iguais perante a bunda!", brinca. Atuando, ele já participou de peças como "Derradeira Ceia", "O bem amado" e "Viva o cordão encarnado". Quando fala de seu estilo produtivo musical, teatral ou cinematográfico, deixa claro que não tem historinha de amor, sempre as ideias são em caráter "anárquico".
O crucifixo que usa não deixa dúvidas, ele acredita em Deus acima de tudo. "Eu sou kardecista de coração, católico por natureza, evangélico por afinação e de vez em quando frequento o candoblé", desmistifica-se ao explicar a escolha de a entrevista ser no Mosteiro de São Bento. Nos domingos a missa não pode faltar, além de participar nas noites das sexta-feiras da tradicional seresta que segue pelas ladeiras de Olinda. O Barão não poupa admiração pelas belas igrejas existentes ali, e faz questão de visitá-las sempre que pode.

Não é preciso esforços para desvendar o porquê dele ser realmente a figura folclórica que mais se destaca nos 365 dias da cidade de Olinda. A construção do personagem não se dá apenas pela forma fina e alinhada de se vestir. A bagagem de vida e o espírito positivista falam por si só, fazem com o que ele seja respeitado por onde quer que passe. Sempre carismático, deixa uma mina na mente de quem o contacta, podendo essa eclodir ou não. "Minha vida é uma viagem. Vou para onde a maré estiver em meu favor". Esse é o Barão dos Caetés, um eterno folião nem sempre no Carnaval.

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